A influência dos textos
indígenas sobre a literatura produzida nos últimos 150 anos no Brasil e em
países vizinhos é cuidadosamente interpretada em Literaturas da floresta –
textos amazônicos e cultura latino-americana, de Lúcia Sá, lançamento da
Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (EdUERJ). Nesta incursão de
análise literária, o leitor vai conhecer mais sobre a produção cultural da
Floresta Amazônica e das planícies da américa do sul, casa de centenas de
tribos indígenas, e para onde muitos escritores se movimentaram no século XIX,
apropriando-se de enredos e personagens da literatura local. A transmissão
dessas tramas e lendas dispersou-se pelas línguas portuguesa e espanhola;
modificadas e reconstruídas tantas vezes, que tornou árdua a tarefa de
reconhecer nestas obras os traços de seus criadores.
Para falar desta
influência, assunto que permanecia tão econômico de registros, a autora analisa
material diverso. Em um dos capítulos, ela observa o impacto que as
transcrições de narrativas indígenas coletadas pelo etnólogo alemão Theodor
Koch-Grunberg produziram sobre Mario de Andrade, repercutindo em Macunaíma.
A autora também aponta para o uso que Mario Vargas Llosa faz da literatura
machiguenga em O falador. Além disso, examina o romance Maíra, de
Darcy Ribeiro, comparando-o a obras antropológicas do mesmo autor. Nomes como
Gonçalves Dias, Raul Bopp e Alejo Carpentier também comparecem sob olhares
analíticos. O resultado é uma descrição minuciosa de um legado que ressoa,
indiscutível, na literatura latino-americana.
Literaturas
da Floresta
compõe-se de quatro partes, correspondentes às quatro tradições da planície
amazônica que mais significantemente impactaram a obra de autores sul
americanos. A saber: a tradição macro-caribe, a tupi-guarani, o sistema
tukano-arauaque do Alto Rio Negro e o arauaque ocidental. O material produzido
pelos habitantes destas regiões também é enumerado, como Antes o mundo não existia,
a primeira história da criação publicada no Brasil e na América do sul sob a
autoria dos próprios índios.
Os personagens e
narrativas indígenas compilados neste estudo desafiam formulações simplistas e
maniqueísmos, desconstruindo a visão que subestima a capacidade intelectual do
índio. Literaturas da Floresta caminha contra o preconceito reforçado à
exaustão na cultura de massas, e que legitima a violência e a espoliação, sob o
pretexto de os índios serem “selvagens”, “analfabetos” ou “sem discernimento”.
O trabalho de Lúcia Sá,
indicado ao Prêmio Jabuti, na categoria teoria e crítica literária,
redimensiona a contribuição indígena à nossa literatura. Além disso, ajuda-nos
a elaborar de forma mais fidedigna a história de nossa cultura, oferecendo pontos
de interrogação às versões tantas vezes repetidas das narrativas dos primeiros
colonizadores.
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