segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Experiência opaca enfoca literaturas argentina e brasileira

Acabando o ano e não resisto a falar de um livro muito interessante, de 2012. Nada mal olhar um pouquinho para trás, antes que cheguem as novidades, os livros de 2014. Antes que eles nos enfeiticem.
Quero falar de A experiência opaca – literatura e desencanto, de Florencia Garramuño, lançamento da EdUERJ, com tradução de Paloma Vidal. Um trabalho que enfoca as literaturas argentina e brasileira contemporâneas não só como objeto de estudo, mas como um vasto campo de experimentação teórica. Para isto, a autora utiliza concepções, como as de Lygia Clark e Hélio Oiticica, que pressupõem que a arte como um convite à experimentação, pronta a modificar o público que a consome, oferecendo e recebendo novos significados.
Não por acaso, Florencia invoca uma fala do personagem Rodrigo, oriundo de “A hora da estrela”, de Clarice Lispector:
“Transgredir meus próprios limites, me fascinou de repente. E foi quando pensei em escrever sobre a realidade, já que esta me ultrapassa.”
Como exemplo para explicar a interação entre arte e realidade, Florencia recorre a Hélio Oiticica, extraído em “Anotações sobre o Parangolé”: “Museu é o mundo, a experiência cotidiana”.
Esta é a filosofia que permeia este Literatura Opaca. Nele, a professora nos guia por autores cuja criação literária arranca o sujeito de si mesmo, desfilando personagens eventualmente sem nomes, protagonistas que se fundem, sugerindo a intensificação de estados emocionais e caminhos fragmentados. Para Florência, a escrita está “mais próxima de uma ideia de organismo vivo, irracional, que respira, do que de uma construção acabada...”.
A literatura analisada, seja brasileira ou argentina, não surge impondo conhecimento ou saberes, mas sugerindo o precipício do gozo e da fantasia, quiçá do sofrimento. Nesta aventura, Florencia enumera Clarisse Lispector, João Gilberto Noll, Ricardo Zelarayan, Beatriz Sarlo, Osvaldo Lamborghini, Silviano Santiago, Ana Cristina Cesar, entre outros.
Um dos destaques é a abordagem do lado histórico de dois países do terceiro mundo marcados pela ditadura. Um exemplo é o capítulo 2, “Um contexto: o desencanto do moderno”, observando o aparente apogeu, seguido de esgotamento, da hegemonia cultural da esquerda nos primeiros anos da ditadura tanto no Brasil quanto na Argentina (esgotamento “apressado” pelo AI-5, no nosso caso). O desdobramento é a encruzilhada, surgida posteriormente: a arte deve ater-se ao momento político de seu país, tornando-se, por vezes, doutrinária? Ou seria possível uma manifestação cultural política e autônoma?
Estas e outras questões estão em A experiência opaca – Literatura e desencanto, de Florencia Garramuño, coordenadora do Programa de Cultura Brasileira da Universidade de San Andrés, em Buenos Aires, indicado, sobretudo, para os estudiosos de literatura latino-americana.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

EdUERJ lança novo volume de Geografia Cultural - uma antologia

Geografia Cultural – uma antologia - volume ll, organizado pelos professores Zeny Rosendahl e Roberto Lobato Corrêa, marca pela diversidade. Com assuntos como religião, simbolismos urbanos, cinema e literatura, o lançamento da EdUERJ enfatiza uma verdade que transparece em seus capítulos. O fato de que o ser humano e suas manifestações culturais devem ser compreendidos dentro do contexto da sociedade ou do ambiente onde se desenvolvem.
 
Os textos distribuem-se em cinco partes: O urbano e a cultura; Formas simbólicas e espaço; Espaço e religião; Festas e espaço; Identidade e território; e Cinema e literatura.
 
O resultado deve interessar sobretudo ao estudante de graduação, que encontrará artigos como o de Roberto Lobato Corrêa sobre shopping center e suas construções como artifícios para estimular o consumo. A literatura também comparece, na análise de Gabriela Rodriguez Fernandez sobre Londres, tendo como referência o cenário distópico concebido pelos escritores Aldous Huxley, em Maravilhoso mundo novo, e por George Orwell, em 1984.
 
No âmbito da religião, Maria da Graça Mouga e Sandra Carneiro tecem reflexões sobre o magnetismo espiritual que os santuários exercem sobre os peregrinos.  Já Zeny Rosendahl vê a tríade espaço, política e religião, exemplificando com dados sobre a Igreja católica no território brasileiro.
 
Outros destaques são “Eu não acredito em deuses que não saibam dançar a festa do candomblé: território encarnador da cultura”, de Aureanice de Mello Corrêa, e a “As questões de identidade em geografia cultural – algumas concepções contemporâneas” de Mathias Le Bossé, professor da Kurtztown University of Pennsylvannia. Este último saiu originalmente em edição da revista Géographies et Cultures, de 1999, e permanece representativo do gênero.
 
Geografia Cultural – uma antologia Volume II fala do homem, da cultura e dos caminhos, que podem se desenhar como cenários de terra ou cimento, mas também como riquezas do pensamento humano.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Um olhar etnográfico sobre os adeptos da alimentação natural

Como pensa uma pessoa que consome apenas produtos orgânicos? Ou o que motiva alguém a evitar a ingestão de carne? Engana-se quem acredita que os adeptos da alimentação natural procuram apenas uma vida com mais saúde. Não raro, suas escolhas representam razões ideológicas que se articulam como uma filosofia de vida. Investigar as linhas de pensamento deste grupo foi o desafio que a professora Maria Claudia da Veiga Soares Carvalho propôs-se em Bricolagem Alimentar nos estilos naturais, lançamento da Editora da Uerj.

A autora pesquisou as diferentes vertentes de alimentação natural e seus adeptos no Rio de Janeiro. Dentre as práticas naturais de alimentação, destacou a linha vegana e a do alimento vivo. Os primeiros restringem sua dieta a alimentos de origem vegetal ou fungos, já os segundos baseiam sua alimentação em sementes e alimentos crus. Para a autora, a preferência por uma dieta natural é uma ideia que surge “simbolicamente como resistência ao fast food, refletindo uma tensão com o industrialismo, especificamente com o seu caráter lucrativo e o consumismo” Esta linha de pensamento conjuga a pressa, a violência e a desigualdade social como antagonistas de um pensar que valoriza a alimentação natural, a ecologia, o artesanal e utopias.

Os capítulos apontam para os valores que os naturistas atribuem à sua relação com os alimentos. Como o de sacralização da natureza, traduzido em ações como afastar-se dos agrotóxicos e aditivos alimentares contidos nos produtos industrializados. Não ingerir carne também insere-se como uma crítica à violência e aos sofrimentos causados aos animais. Outro signo que Maria Claudia da Veiga detectou é o da contracultura com base nos ideais dos anos 1960. Neste caso, exaltam-se os direitos das minorias e a liberdade de expressão em oposição às “imposições do sistema” e às urgências do capitalismo. A simpatia pela contracultura demonstra a consciência do que significa ser partidário de uma alimentação natural em uma sociedade que é carnívora em mais de um sentido.

Bricolagem Alimentar é um conceito adaptado da proposta sócio antropológica que Lévi-Strauss chamou de bricolagem e, no caso deste livro, equivale à experiência de organizar o universo simbólico dos significados dos alimentos na vida das naturalistas. O campo etnográfico é basicamente composto pela classe média do Rio de Janeiro (às vezes não pelo poder aquisitivo, mas pelos hábitos) e a estratégia escolhida foi a dedesnaturalizar: interpretar o significado dos alimentos, e, principalmente “estranhar aquilo que era familiar ou natural a essas coisas”.

Indicado a estudiosos de nutrição social, o livro é um estudo etnográfico que serve de estímulo também para aprofundar uma reflexão sobre os hábitos alimentares do homem urbano em nossos tempos

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Boas intenções?

"A colaboração lhe bate à porta...", de Ana Lúcia Vieira, publicado pela EdUERJ traz à tona um tema pouco exporado: a visitação social, prática que fazia parte do cenário de desenvolvimento capitalista industrial e da expansão urbana no fianld o século XX. O livro esmiúça a atuação das visitadoras sociais em uma companhia têxtil do Rio de Janeiro e desnuda as motivações ideológicas que comumente ficavam menos à vista do que as aparentes boas intenções.

As visitadoras sociais retratadas atuavam junto aos operários da Companhia Nova América, durante o período de 1944 a 1953. A visitações, objeto do livro da EdUERJ, acontecia em diversos espaços: na fábrica, na Vila Operária Ciedade-Jardim Nova América e nas dependências da Associação Atlética Nova América. Com a crescente industrialização do país, também aumentava o interesse do Estado e dos empresários em promoverem a atividade das visitadoras. para Ana Lúcia Vieira, era possível, "detectar nessas práticas uma rede muito maior de estratégias de poder"
As visitadoras orientavam em relação à saúde, higiene, alimentação, organização do lar e relações familiares, com base em discursos médicos, higienistas e pedagógicos, de onde também provinham a inspiração para os tratamentos adequados. A gama de atividades das visitadoras era extensa: acompanhamento de gestantes, orientação nos cuidados com os recém-nascidos, encaminhamentos as crianças maiores às creches da fábrica e determinação de hábitos alimentares e de higiene. Entre outras atividades, buscava-se também compreender a vida pregressa do operário, com o objetivo de tecer um diagnóstico de possíveis desajustes sociais.

Entre as principais atividades das visitadoras, o livro enumera a fiscalização do uso dos serviços públicos e sociais disponibilizados pelo Estado e pela empresa aos operários, o monitoramento das vidas particular e profissional dos operários, e finalmente, a doutrinação destes aos valores instituídos como os mais adequados ao trabalhador brasileiro.
Ao avaliar a visitação, a autora considera que “a urgência de medidas que assegurem um mínimo de bem estar a indivíduos e grupos não pode se transformar em álibi para intervenções desmedidas no dia a dia das pessoas”. Estratégias de poder sutis, mas eficientes que colocam em pauta a eterna questão sobre os limites do estado no que tange à vida particular do cidadão. Meta revelada pela autora: espera que sua pesquisa “possa estimular um olhar inquiridor sobre as políticas públicas e sociais do tempo presente.”