terça-feira, 11 de novembro de 2014

Entrevista com professor Gustavo Lins Ribeiro

Ph.D em antropologia pela City University of New York e professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Gustavo Lins Ribeiro já teve livros publicados em diversos países, como Brasil, Argentina, México, China, Inglaterra e outros. Autor de “Outras globalizações: cosmopolíticas pós-imperialistas”, recém-lançado pela EdUERJ, Gustavo Lins Ribeiro conversou com o nosso blog sobre os assuntos de seu novo livro.


Blog: O livro aborda processos e agentes políticos e econômicos alternativos à globalização vigente, em diversas frentes como a política, economia e cultura. Até que ponto esses processos conseguem se tornar relevantes diante da hegemonia tão contundente do capital transnacional?

Prof. Gustavo: O que eu chamo de globalização popular e de sistema mundial não-hegemônico movimenta, por baixo, muitas centenas de bilhões de dólares anualmente e é alvo de uma sofisticada repressão por parte dos establishments globais e nacionais. Além disso, o controle da propriedade intelectual está no coração da reprodução de atividades fundamentais do capitalismo eletrônico-informático, daí o papel subversivo da chamada pirataria. Já as outras globalizações políticas permitem a articulação de vários movimentos de indignados com a globalização hegemônica, mantendo viva a noção de que outro mundo é possível. No final, é também uma luta por outras utopias. Ambas formas, outras globalizações políticas e econômicas, implicam a criação de redes transnacionais que dão trabalho à hegemonia do capital transnacional o qual, sem elas, reinaria absoluto.


 Blog: Em um certo sentido, podemos compreender a cosmopolítica como uma visão ampla – em escala planetária - que se caracterizaria com uma atitude positiva diante da diferença, de integração e convivência. Mas até que ponto a cosmopolítica consegue perceber as culturas que fogem completamente aos ditames do mundo ocidental?

Prof. Gustavo: A minha noção de cosmopolítica é mais antropológica do que filosófica. Eu suponho que todos os povos do mundo sempre tiveram que fazer sentido de onde estão e, sobretudo, do porquê existem outros diferentes deles. Por isso, cosmopolítica não se restringe apenas aos discursos que o Ocidente (essa mega e problemática entidade) formulou sobre os outros. Mas é verdade que a noção de cosmopolítica se beneficia das ressonâncias positivas da ideologia ocidental do cosmopolitismo, pois implica a tentativa de construção de solidariedades com outros diferentes, reconhecendo uma humanidade comum. Porém, suponho que a cosmopolítica exista, enquanto necessidade de compreensão da alteridade radical, em todos os povos. Por isso, acabo encampando a diferenciação entre conhecimento antropológico e antropologia. Para mim, o desejo pelo conhecimento antropológico, ou pelo saber sobre a alteridade, é universal, já a antropologia não.  A antropologia é uma cosmopolítica ocidental.



Blog: Seria correto pensar que o processo hegemônico globalizante se beneficia do enfraquecimento de utopias como a socialista?

Prof. Gustavo: Acho que sim, apesar de que as proposições socialistas fazem parte do amplo espectro de sujeitos das outras globalizações políticas. O que acontece é que o “socialismo realmente existente” deixou exemplos históricos problemáticos, sendo dois dos maiores deles a sua dificuldade de lidar com a questão da liberdade e o seu centralismo exacerbado que facilmente descamba para o personalismo. O problema contemporâneo é de como articular forças transnacionais capazes de se oporem ao tremendo poder do capitalismo transnacional e seus aliados internamente aos Estados nacionais. Outro problema é a fragmentação das lutas políticas que se deve em boa medida ao fracasso das ideologias e utopias do século XIX de construção de grandes sujeitos transformadores como o proletariado, por exemplo. Hoje, o sucesso da política identitária implica avanços importantes, mas, no mais das vezes, localizados e comportamentais. Em geral, com as possíveis exceção das lutas de gênero contra o patriarcalismo e das lutas anti-racistas contra a supremacia branca, as políticas identitárias não atacam os pilares da produção e reprodução das macro estruturas de desigualdade. Nesse sentido, para usar um vocabulário do século XIX, não são revolucionárias. Mas acho também ser possível um aggiornamento das ideologias socialistas.

Blog: E, por último, professor, como você vê a utilização de tecnologias ou redes sociais, como o Facebook, por movimentos que se postulam como anti-establishment ?

Prof. Gustavo: É uma utilização contraditória, como seria de se esperar de todo uso de meio de comunicação controlado por grandes corporações, nesse caso transnacionais e oligopólicas, e pelo Estado. Por um lado, favorecem a mobilização de movimentos massivos como vimos na Primavera Árabe, em Occupy Wall Street ou nas Jornadas de Junho, no Brasil, em 2013. Por outro, são o mais perfeito instrumento de controle do Estado e das corporações pois além de nos localizarem perfeitamente no espaço, também nos escrutinam intensamente do ponto de vista político e comportamental. Hoje o muro do facebook de uma pessoa é uma espécie de atestado político-ideológico. Mas, como eu disse, é contraditório. Isso quer dizer que as tecnologias de comunicação, entre elas as redes sociais, têm que ser usadas sabendo que também podem ser uma faca de dois gumes. Não à toa o Assange e o Snowden são os principais fugitivos políticos do mundo e os fundadores do Pirate Bay são perseguidos. Há uma guerra pelo controle do ciberespaço cujo resultado terá enorme impacto para as formas de democracia e participação cidadã no futuro.

Blog: Professor, o blog da EdUERJ agradece pela entrevista! 

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